Wednesday, March 01, 2006

Cartas

Hoje recebi uma carta de um amigo que não via há muitos anos. Uma carta demorada, comprida e detalhada sobre os últimos anos. Sobre os anos em que não nos vimos, sobre os anos em que estivemos separados. Hoje recebi uma carta e não um Email, ou uma mensagem no telemovel. Uma carta. Escrita em papel, dobrada, posta num envelope e metida no correio. Com selos e tudo!
Hoje em dia já ninguém escreve cartas. Já ninguém quer perder esse tempo. Já ninguém liga aos detalhes nem ao prazer de escrever. Escrever numa noite como esta. Escrever e pensar no que se escreve, no que se vai escrever e no que se vai contar a seguir. Escrever de forma a perder a noção do tempo, e de forma a detalhar tudo da melhor maneira possivel.
Hoje recebi uma carta e por momentos, depois de a ler, tive vontade que fosse Inverno cerrado. Vi-me numa mesa, com uma folha branca e uma caneta apenas. Uma lareira acesa atrás de mim, e quem sabe até, também, um rádio ligado, e um improviso de Jazz a tocar, ou Chopin... Vá, vá, podia até ser Pat Metheny a dedilhar uma guitarra mas nunca mais do que isso. E lá fora, escuro como breu! Como se tivesse faltado a luz em toda a cidade e apenas o escuro da noite existisse para lá da janela.
Mas o que tem tudo isto a ver com o tema deste post... De certeza que já estão a pensar nisso! Então comparem este post com o meu anterior. De certeza que notam a diferença. Para já começa pelo facto de eu achar que o anterior está vergonhosamente mal escrito e nada de jeito se pode dali tirar. Contudo, hoje fui bafejado por esta inspiração e cá está ela.
Com este post pretendo sobretudo mostrar a diferença que ainda existe, embora cada vez menos, entre o Mundo real, e o Mundo que algumas pessoas insistem em viver. Um Mundo mais lento, com melhor qualidade de vida, onde as amizades interessam acima de tudo, e onde o tempo não tem nada a dizer sobre nada do que possa interessar.
Hoje recebi uma carta e demorei-me a lê-la. Aproveitei cada palavra o melhor que consegui. Visuzlizei cada comentário, cada descrição, e quando cheguei ao fim pousei-a e pensei. Outra vez, demorei-me a pensar, revivendo memórias, e dias passados com o meu amigo de longa data mas que agora está tão longe.
Logo ali tive vontade de lhe responder. Claro, podia ligar-lhe já! Dizer que recebi a carta, que está tudo bem, e ter com ele os três temas de conversa habituais. Sim, porque não daria para mais do que isso, já que ligar para os Estados Unidos custa balurdios. Podia também responder-lhe via Email; isso seria de certeza mais rápido, e mais prático. Mas como é que diria tudo o que tenho para dizer, descreveria tudo o que tenho para descrever. Não podia ser. No Email perde-se tudo o que uma carta representa, e novamente somos atacados pelo sentimento de pressa, praticalidade, e desinteresse que representa a tecnologia. Numa carta não. Numa carta podemos até sentir qualquer coisa que quase se assemelha ao contacto humano. Ao contaco fisico com alguém. Uma carta é mais pessoal!
Hoje recebi uma carta. Li-a. Pensei-a. E não me apressei a responder. Vou deixar isso para mais tarde. Para quando a noite me trouxer o seu silencio e a sua luz. Para quando uma lareira crepitar atrás de mim, e para quando não tiver mais nada em que pensar se não na minha folha branca e na luz da escuridão à minha frente.
Hoje recebi uma carta num tempo em que já ninguém escreve cartas. Recebi uma carta que representa o completo oposto desta sociedade que somos todos nós e que aposta na velocidade, na rapidez de processamento, e no mais rápido meio para atingir determinado fim.
Vou demorar a responder. Afinal, tenho o tempo que quiser!

2 Comments:

Blogger Rgod said...

Sem palavras...foi assim que me deixaste, de facto a rapidez e o instantâneo vieram alterar, e muito, as nossas vidas... as nossas tarefas mais básicas, não só para comunicarmos pessoalmente, como também (e principalmente) para comunicarmos com aqueles de quem gostamos, mas que por circunstâncias que nos são alheias estão distantes.
De facto a tradição das cartas já há algum tempo que se perdeu...infelizmente!!! Mas como eu sempre adorei escrever e adorei o teu post (super original e muito muito realista) vou-te contar um segredo... quando se trata de escrever cartas também me perco no tempo, entro numa outra dimensão, pois afinal para escrevermos e expressarmos o que sentimos, para o melhor "ouvinte" que existe - o papel - temos, mesmo, todo o tempo do mundo.
Não há nada como uma boa carta para transmitir, em toda a plenitude, aquilo que sentimos! Ainda hoje o faço e de certeza que só deixarei de o fazer quando deixarem de existir papéis e canetas...algo que eu espero que nunca aconteça (;

Parabéns pela faceta revelada!

4:06 PM, March 09, 2006  
Blogger Carla Ganito said...

Gostei muito deste seu Post, revela uma grande capacidade de reflexão sobre o mundo que o rodeia. Acho que devia aproveitar mais esta sua capacidade.

1:56 PM, April 25, 2006  

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